Eu vivi: Aos 13, fui ‘vendida’ por meu pai a um homem de 47 anos

Foto: Pixabay

 

ATENÇÃO: CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A TEMAS QUE ENVOLVAM VIOLÊNCIA, ESSA HISTÓRIA CONTÉM GATILHOS

 

Todos os nomes foram trocados para que a identidade da vítima seja mantida em sigilo

POR DANIELA TEIXEIRA

 

“Chega de escândalo! Você vai embora com ele, sim! Ele agora é seu marido!”

Com essas palavras Diana foi obrigada a deixar a casa em que vivia com a família, aos 13 anos de idade, ao lado de Augusto, um homem de 47 anos e que a deixava enojada sempre que se aproximava dela.

Agarrada a João, seu pai, ela implorou para não ser mandada embora com aquele senhor, mas o genitor, sem piedade, puxou abruptamente os braços da filha, que estava colada a ele em um abraço, e praticamente a jogou em cima de Augusto.

O homem, tão mais velho, há mais de um ano a cercava. Até que horas antes, naquele mesmo dia, a agarrou à força e quase a abusou. Só não conseguiu porque foi flagrado pelo irmão caçula de Diana, que saiu correndo e dizendo que chamaria o pai.

O garoto, então, não perdeu tempo e contou o que tinha visto. E o pai, por sua vez, saiu ao encontro da filha, que àquela altura já se aproximava de casa, com o corpo avermelhado e com as roupas rasgadas.

Diana, no entanto, não foi acolhida. Pelo contrário. Ela foi recepcionada por uma surra daquelas e informada de que teria que arranjar outro lugar para morar.

“Eu não quero vagabun$@ nenhuma na minha casa. Não criei filha para ficar se agarrando com macho na rua. Já que você quer viver na safadeza, pode pegar suas tralhas e ir atrás dele”, esbravejou João.

A filha, por sua vez, tentou explicar que tinha sido pega à força. Mas era o início dos anos 70, em uma cidade do sertão do nordeste, época em que a palavra da mulher não tinha valor nenhum.

Vendida

Em seguida, o pai foi atrás de Augusto. Ele queria que o homem se responsabilizasse pela ‘desonra’ que trouxe à sua família e levasse Diana para viver com ele.

“Para mim isso tudo foi uma desculpa. Quando meu pai descobriu que o cara que me atacou era o Augusto, rico e respeitado na nossa região, não pensou duas vezes em exigir dinheiro em troca de não procurar a polícia. Também disse que Augusto tinha que se casar comigo para eu e minha família não ficarmos mal falados”, conta Diana.

Detalhe: Augusto já era casado e tinha 8 filhos. Por isso, combinou com João que levaria a garota para viver em outra cidade, onde ninguém saberia da vida deles e os vizinhos pensariam que ambos eram, de fato, marido e mulher.

Acostumado a assediar menores de idade, Augusto ficou feliz da vida com o acordo. Afinal, ter uma menina inocente a seu bel prazer era um sonho se tornando realidade.

“Ele vivia tentando me tocar e agarrar desde que eu tinha 12 anos. Para ele foi como ganhar na loteria. Para mim, foi o início do pior dos pesadelos”, relembra Diana.

Ao ver Augusto chegando para buscá-la, a garota tentou, desesperadamente, convencer o pai a não mandá-la embora. A mãe, em meio a lágrimas, correu para o quarto. Isso porque, embora não concordasse com a decisão, não tinha coragem de contrariar o marido. Senão, as consequências seriam terríveis.

“Meu pai sempre foi um homem ruim. Ele batia muito em mim e nos meus irmãos, mas com a minha mãe a coisa era muito pior. Ele abusava dela de todas as maneiras. Ela morria de medo dele.”

Sem saída, Diana foi colocada em um Chevrolet Opala rumo à casa que seu agora ‘marido’ possuía em uma cidade a uma hora e meia dali. Ela não retornaria à residência dos pais por anos.

Como todo abusador, Augusto não conseguiu sequer esperar chegar ao destino. Assim que pegou a estrada, ele parou no acostamento e violentou Diana.

“Essa foi a primeira de muitas vezes”, lamenta.

A partir dali, a vida da adolescente foi um terrível martírio. Vivendo longe da família e trancada em casa, ela se entregou à tristeza.

“Eu chorava dia e noite. E ele me batia por isso. Quando ia para a casa da sua esposa, ele me deixava trancada. Às vezes eu passava até duas semanas trancada. A comida acabava e eu não tinha como sair para pedir ajuda. Comia farinha e água.”

Fuga

A liberdade de Diana só veio três anos depois, quando ela completou 16 anos e engravidou dele.

“Eu estava grávida de 2 meses quando comecei a passar mal. A princípio, ele não queria me levar ao médico, mas eu comecei a sangrar e desmaiei. Acho que ele ficou com medo de que algo pior acontecesse e me socorreu”, relata.

No centro médico, ela descobriu que tinha perdido o bebê e ficou em observação por um dia e meio. Foi o suficiente para armar sua fuga.

Assim que foi informado da alta hospitalar, Augusto saiu para buscar o carro. Diana, por sua vez, deixou o local pelos fundos e pegou um táxi.

“Eu roubei um bom dinheiro da carteira dele naquela manhã quando ele cochilou na cadeira do hospital. Ele tinha ido receber o aluguel de três casas que tinha na cidade em que morávamos. Naquela época, muita gente pagava em dinheiro vivo. Foi a minha salvação.”

O montante foi o suficiente para que ela fosse até a rodoviária, onde comprou uma passagem para a capital de seu estado e viajou só com a roupa do corpo.

“Eu cheguei lá com dinheiro para passar apenas alguns dias em uma pensão, enquanto procurava emprego. Graças a Deus arrumei uma casa de família para trabalhar logo no segundo dia”, recorda.

A partir daí, Diana foi reconstruindo sua vida. Os patrões, dois idosos, a tratavam como uma filha e, além de permitirem que ela morasse com eles, a incentivaram a voltar a estudar.

“Terminei o ginásio [como era chamado o Ensino Fundamental na época], fui fazer o colegial [atual Ensino Médio] e um curso de secretariado. Depois consegui um emprego numa boa empresa, mas continuei vivendo com meus patrões por anos. Eles foram meus verdadeiros pais.”

Diana nunca mais teve contato com Augusto. Soube que ele a procurou por meses, mas depois desistiu de encontrá-la. Ele faleceu aos 55 anos, vítima de câncer no pulmão.

Já a família biológica, Diana só voltou a encontrar 20 anos depois. “Fui visitá-los porque queria ver minha mãe. Fui bem tratada, mas algo se perdeu. Não conseguimos estabelecer uma relação de proximidade. Meu pai nunca me pediu desculpas por ter me vendido. Quando toquei no assunto, ele me chamou de louca.”

Atualmente mãe de 4 filhos e avó de 3 netos, Diana acredita que, apesar de tudo, superou o abuso e o abandono que viveu.

“Eu sou feliz, tenho uma família linda e me sinto amada. Eu deixei a dor e a tristeza no passado, mas jamais vou conseguir apagar o que vivi. Eu venci, superei, mas não esqueci”, garante.

Caso você ou alguém que você conhece esteja passando ou tenha passado por algo semelhante, não hesite em denunciar. No exterior, procure a delegacia mais próxima ou o consulado brasileiro. No Brasil, use uma das opções abaixo:

Polícia Militar: Ligue 190 – caso a criança esteja correndo risco imediato
Samu: Ligue 192 – caso seja necessário o socorro urgente
Disque 100: Este número recebe denúncias de violações de direitos humanos, feitas de forma anônima
Conselho tutelar: Os conselheiros vão até a casa denunciada e verificam o que está ocorrendo (todas as cidades contam com conselhos tutelares)
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres
Qualquer delegacia de polícia
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos:
(61) 99656- 5008

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