ATENÇÃO: CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A TEMAS QUE ENVOLVAM VIOLÊNCIA, ESSA HISTÓRIA CONTÉM GATILHOS
Todos os nomes foram trocados para que a identidade da vítima seja mantida em sigilo
POR DANIELA TEIXEIRA
“V@g@b$nd@, mentirosa! Eu devia acabar com você. E não adianta continuar mentindo. É melhor você desaparecer da minha frente antes que eu perca a cabeça de vez.”
Antônia podia imaginar tudo, menos que estaria sentada no chão do banheiro, no meio da madrugada, com um olho roxo e o lábio sangrando, em sua primeira noite como esposa de José.
Depois de ser agredida e expulsa do quarto logo após ter sua primeira vez com o marido, em um apartamento no litoral, para onde viajaram em lua de mel, a jovem, na ocasião com 19 anos de idade, correu para o banheiro para ver o estrago que o companheiro tinha feito em seu rosto.
Tentando se acalmar e também se proteger de um possível novo ataque de fúria, ela adormeceu por lá, no chão, na noite que era para ter sido uma das mais importantes – senão a mais importante – de sua vida.
José deu um murro em seu rosto depois da relação sexual por acreditar ter sido enganado. Segundo o agressor, a esposa havia mentido sobre ser virgem.
Sem entrar em detalhes íntimos, o homem recém-casado, com suas crenças limitantes, concluiu que o desempenho da companheira não condizia com o fato de ela não ter nenhuma experiência naquela ‘área’.
Revoltado, ele bateu em Antônia, ordenou que ela desaparecesse de perto dele e ainda prometeu outra surra, caso a mulher desobedecesse suas ordens.
“Para muita gente isso seria o suficiente para sumir dali, denunciar e nunca mais olhar para a cara daquele monstro, mas eu, uma tonta apaixonada, perdoei o imperdoável e prossegui com ele”, conta ela.
Anos de sofrimento
E esse foi o início de seu martírio, que duraria mais de duas décadas.
Ao todo, Antônia e José permaneceram casados por 25 anos. Durante esse período, a mulher perdeu seu brilho, sua autoestima, sua convivência com amigos e familiares e também dois filhos.
Isso porque, em virtude de algumas surras e abusos íntimos, ela acabou sofrendo um aborto espontâneo aos 4 meses de gestação, além de, tempos depois, ter tido uma gravidez interrompida aos 7 meses, quando o coração do bebê parou de bater logo após ela sofrer um espancamento.
Nada disso, porém, foi suficiente para que a mulher abandonasse seu algoz. “Só quem está em um relacionamento abusivo sabe como é difícil sair. Você tem pavor, insegurança, acha que ninguém mais vai te querer. É horrível”, diz.
Apesar das gestações interrompidas, Antônia teve três filhos com o marido. E apanhou dele até amamentando as crianças.
“Eu tinha que tentar proteger os bebês, porque ele batia sem sequer se importar se estava atingindo nossos filhos ou não.”
Fim do tormento
O fim da vida de agonia só aconteceu quando ela completou 44 anos de idade. E contra a sua vontade.
José, que além de tudo o que fazia dentro de casa também não escondia de ninguém suas ‘puladas de cerca’, se apaixonou por outra.
Entretanto, Antônia não enxergou, a princípio, aquilo como um livramento.
“Eu fiquei arrasada. Eu tinha um apego doentio a ele. Mesmo com meus filhos já adultos, eu não queria acabar meu casamento. Achava que minha vida tinha terminado, que eu ia ficar velha e sozinha”, admite.
Sem se importar com o sofrimento dela, o esposo, então, fez as malas e foi morar com a amante – uma vizinha de 23 anos.
Antônia, ao perceber que estava adoecendo com toda aquela situação, resolveu procurar ajuda médica. Na terapia, ela não apenas entendeu que viveu anos de abusos, mas também conseguiu se perdoar por ter se permitido estar naquele casamento por tanto tempo.
“Foi difícil. Enfrentei várias fases: tive pena de mim, depois tive ódio da minha passividade, tive vontade de acabar com meu ex… Por fim, fui me curando.”
Passados alguns anos da separação, Antônia se reergueu, arrumou um trabalho que ama, começou a se cuidar e, no auge de seus 55 anos, chama atenção por onde passa.
Contudo, ela não tem intenção nenhuma de se casar de novo. “Nesse período todo eu tive dois relacionamentos rápidos, mas quando eles começaram a falar sobre morar junto, eu corri. Não quero dividir o teto com um homem nunca mais na minha vida.”
Antônia também garante que homens agressivos não mudam nunca e que a tendência é de que as coisas piorem a cada dia mais.
Questionada sobre um conselho para quem enfrenta o mesmo que ela enfrentou, Antônia faz um alerta:
“Nunca perdoe o primeiro tapa. A mulher nasceu para ser cuidada e respeitada pelo companheiro, não para ser seu saco de pancadas”.
Caso você ou alguém que você conhece esteja passando ou tenha passado por algo semelhante, não hesite em denunciar. No exterior, procure a delegacia mais próxima ou o consulado brasileiro. No Brasil, use uma das opções abaixo:
Polícia Militar: Ligue 190 – caso a criança esteja correndo risco imediato
Samu: Ligue 192 – caso seja necessário o socorro urgente
Disque 100: Este número recebe denúncias de violações de direitos humanos, feitas de forma anônima
Conselho tutelar: Os conselheiros vão até a casa denunciada e verificam o que está ocorrendo (todas as cidades contam com conselhos tutelares)
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres
Qualquer delegacia de polícia
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008