ATENÇÃO: CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A TEMAS QUE ENVOLVAM VIOLÊNCIA, ESSA HISTÓRIA CONTÉM GATILHOS
Todos os nomes foram trocados para que a identidade da vítima seja mantida em sigilo
POR DANIELA TEIXEIRA
“Eu sabia que você ia fazer isso, sua pu&@ suja e pobre. Você é só mais uma morta de fome que veio de um país nojento e engravidou para tentar conseguir um Green Card e sair da pobreza”
Foi em meio a esses xingamentos e agressões brutais que Ana quase perdeu a vida pelas mãos de Joshua, seu namorado americano. Ao descobrir a gravidez, depois de 5 meses de um relacionamento para lá de conturbado, a moça, de 27 anos, achou que um bebê seria uma benção e a salvação do casal. Mas isso não poderia estar mais distante da realidade.
Vivendo em uma cidade no interior dos Estados Unidos, para onde viajou para conhecer o rapaz carinhoso com quem conversava há quase um ano pela internet, Ana se tornou mais uma brasileira a ser vítima de violência doméstica no exterior.
Já em sua primeira semana na Terra do Tio Sam, a jovem levou um beliscão de Joshua. O motivo? Ele não gostou do fato de ela ter rido muito alto enquanto assistiam televisão.
“Eu fiquei assustada, mas depois achei que ele tinha feito aquilo sem maldade”, relembra.
A partir daí, a coisa foi ladeira abaixo. Depois de cerca de um mês em que estavam dividindo o mesmo teto – um porão na casa dos pais do namorado -, Ana levou um tapa no rosto por não ter recolhido o lixo do banheiro.
“Ele não fazia nada, mas queria tudo limpo o tempo todo. Se achasse uma coisinha fora do lugar, já era motivo para briga e agressão.”
Piora no comportamento
A violência, então, escalou de um tapa para puxões de cabelo, socos – de preferência em lugares em que as marcas não ficassem visíveis – e até tentativa de estrangulamento.
Nascida em uma região periférica no Norte do Brasil, Ana realizou um sonho ao conseguir entrar nos Estados Unidos. Joshua pagou por seu passaporte e seu visto – que chegou a ser negado na primeira tentativa, mas foi aprovado na segunda. Por essa razão, ela não queria simplesmente largar tudo e voltar para casa.
Assim, preferiu suportar os maus-tratos, vislumbrando um eventual casamento – o que lhe possibilitaria, enfim, dar entrada no sonhado Green Card (documento que permite que o imigrante resida legalmente no país).
Mas engana-se, entretanto, quem pensa que o relacionamento era baseado em interesse. “É claro que eu queria me legalizar na América, mas eu era apaixonada por ele. Eu achava que ele era o homem da minha vida”, destaca ela.
Sem plano de saúde no país – algo imprescindível para quem mora nos Estados Unidos -, Ana não conseguiu comprar seu anticoncepcional. Resultado: ficou grávida. E esse foi o início do fim.
“Ele já tinha me deixado roxa, com partes do corpo inchadas, mas eu nunca o tinha visto tão transtornado como quando eu contei que nós iríamos ser pais.”
Além de ser humilhada com palavras de baixo calão e ser vítima de xenofobia, em virtude de sua origem em um país considerado de terceiro mundo, Ana apanhou muito. Muito mesmo.
Sem demonstrar o mínimo de piedade pela pessoa que esperava um bebê seu, Joshua não poupou socos e chutes na barriga da então namorada.
Apesar de os sogros estarem em casa, novamente eles não se envolveram. Os dois sabiam do temperamento descontrolado do filho e preferiam fazer vistas grossas sobre o fato.
Percebendo que iria morrer caso permanecesse ali, Ana reuniu o que lhe restava de forças e gritou por socorro bem alto. Com medo de que os vizinhos se assustassem e chamassem as autoridades, Joshua interrompeu sua sádica sessão de violência. Foi aí que a namorada aproveitou para fugir pela porta da frente do porão – que, para seu alívio, estava destrancada e dava diretamente para o jardim da casa.
Ana correu o máximo que conseguiu, sempre gritando por socorro e pedindo para ligarem para a polícia. E, por sorte, foi ajudada por um casal que passeava com seu cachorro pela vizinhança.
A partir daí, tudo transcorreu como um grande pesadelo. A polícia chegou, ouviu sua história – ela fez uso de um aplicativo de tradução para não deixar nenhum detalhe de fora – e foi atrás de Joshua, que havia desaparecido.
O rapaz foi encontrado e detido apenas no dia seguinte.
Ana foi encaminhada ao hospital para tratar de seus ferimentos. Ela ficou por lá por cinco dias e o pior acabou acontecendo. “No segundo dia, apesar de os médicos terem feito o possível, eu acabei perdendo o meu bebê”, lamenta.
Virada de chave
Ao receber alta, ela não tinha para onde ir. Por isso, foi levada a um abrigo. E foi lá que encontrou um anjo.
“Conheci uma senhora que trabalhava com casos como o meu. Eu nem sabia que, por causa da violência que sofri, poderia entrar com um pedido para conseguir meus documentos para morar nos Estados Unidos.”
Com a ajuda recebida, Ana deu início aos trâmites legais e, após quatro anos, recebeu seu tão sonhado ‘cartão verde’. Mesmo assim, ela garante que o documento não apaga o que viveu.
“Não vale tudo por um Green Card. Ele não paga o que eu passei, a perda que eu tive e todos os danos emocionais por conta dessa situação.”
Sobre o ex que a agrediu, ela diz que ele foi condenado, passou três anos e meio na cadeia e a procurou quando saiu: “Acredita que ele me achou nas redes sociais e me mandou mensagem? Eu até deletei o meu perfil. Não quero que ele me encontre e nem que saiba nada da minha vida”.
Agora, oito anos desde aquele fatídico dia, Ana se mudou para uma grande cidade no sul dos Estados Unidos, arrumou um ‘namorido’ e ganha a vida fazendo faxinas.
“Hoje tenho um homem que me ama, me respeita e tenho a vida que sempre sonhei, apesar de todo o sofrimento para chegar até aqui”, celebra.
Caso você ou alguém que você conhece esteja passando ou tenha passado por algo semelhante, não hesite em denunciar. No exterior, procure a delegacia mais próxima ou o consulado brasileiro. No Brasil, use uma das opções abaixo:
Polícia Militar: Ligue 190 – caso a criança esteja correndo risco imediato
Samu: Ligue 192 – caso seja necessário o socorro urgente
Disque 100: Este número recebe denúncias de violações de direitos humanos, feitas de forma anônima
Conselho tutelar: Os conselheiros vão até a casa denunciada e verificam o que está ocorrendo (todas as cidades contam com conselhos tutelares)
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres
Qualquer delegacia de polícia
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008
Tem muita mulher que vai pra fora só pra apanhar