ATENÇÃO: CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A TEMAS QUE ENVOLVAM VIOLÊNCIA, ESSA HISTÓRIA CONTÉM GATILHOS
*Todos os nomes foram trocados para que a identidade da vítima seja mantida em sigilo
POR DANIELA TEIXEIRA
“Ele pegou um pano que tinha a imagem de um Papai Noel, me limpou e me mandou para casa.”
Essa é uma das memórias mais marcantes de Laura*, abusada desde os 5 anos de idade – ou até antes disso – pelo avô, pai de seu pai.
Naquele dia, o pedófilo chamou Laura e sua irmã para a casa dele, que ficava na mesma propriedade onde a então garotinha vivia com a família, trancou a irmã – dois anos mais nova – em um cômodo, enquanto levou Laura ao seu quarto para violentá-la.
“Ele me colocou deitadinha na cama e subiu em cima de mim. Contando eu consigo sentir o peso dele, o cheiro daquele velho nojento, daquele velho abusador. Ele pegou e começou a se esfregar em mim. Eu lembro que eu fechava bastante as perninhas, por isso ele não conseguiu me penetrar. Acredito que não. Não lembro também. Mas eu sei que ele se esfregava muito em mim até ele [ejacular] em cima de mim”, recorda.
Foi então que o criminoso fez uso de um pano com a figura de Papai Noel para limpar os resquícios de seu abuso. A lembrança da imagem do ‘Bom Velhinho’, que as crianças tanto amam ver no Natal, deixou um trauma em Laura.
“Para você ver que o que acontece na infância não fica na infância. A gente leva para a vida inteira”, lamentou.
O avô, inclusive, já tocava a neta de forma inapropriada há tempos. “Eu não sabia o que estava acontecendo. […] Começou com ele me colocando na cama dele. Ele deitava atrás de mim e eu sentia uma coisa esquisita roçando em mim, no meu bumbum, nas minhas pernas”, conta.
Apesar da pouca idade, Laura tem bem vivo em sua memória tudo o que passou. “Eu sinto, hoje em dia, o cheiro, a sensação…”
Para atrair a neta para sua casa naquela época, o avô fazia uso da mesma estratégia de boa parte dos pedófilos: “[Ele dizia] Vem aqui com o vovô porque tem doce aqui pra você”.
Depois de tocar a menina intimamente, o criminoso a orientava a manter tudo em segredo: “Ele dizia: ‘Não conta pra ninguém, tá? Senão, o vovô vai ficar bem bravo com você. Não faz isso senão você vai ficar sem o seu papai. Você não gosta do seu papai?'”.
Infelizmente, no entanto, os abusos foram ficando cada vez piores até o pedófilo conseguir, enfim, consumar a violação sexual.
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“Ele tinha um bar. Teve um dia em que ele me chamou lá, me colocou na frente do balcão e me penetrou”, afirma.
Em virtude da gravidade e profundidade do relato, os detalhes serão ocultados. Entretanto, na ocasião, o avô não conseguiu finalizar o ato porque um cliente adentrou o bar.
“Ele não conseguiu chegar aos ‘finalmente’ porque chegou uma pessoa. E ele disse: ‘Não fala nada porque esse cara é policial e eu vou mandar matar seu pai’. [Falou isso] Sabendo de todo o amor que eu tinha pelo meu pai.”
Filho do abusador, o pai de Laura era bastante amoroso e cuidadoso com as herdeiras e não fazia ideia do sofrimento que seu progenitor impunha à garota.
“Só tenho boas lembranças do meu pai. Ele sempre foi muito respeitador. Nunca quis ver a gente sem roupa, nada. Isso nunca aconteceu. Ele sempre foi muito cuidadoso com a gente, sempre muito respeitoso”, ressalta.
Há males que vêm para o bem
Laura seguiu sendo vítima dos abusos até que algo ruim aconteceu com sua mãe: ela foi vítima de um assalto em seu local de trabalho.
Em virtude disso, a mãe saiu do emprego e passou a ficar com as filhas. O que fez com que o avô tivesse medo de prosseguir com a crueldade praticada contra a menina.
“Ela começou a ficar em casa e aí acabou não tendo mais esses abusos”, explica.
No entanto, Laura seguiu a vida com muito rancor guardado no peito ao longo dos anos. “Eu fui crescendo tendo muita raiva dentro de mim.”
O segredo que mantinha a sete chaves só foi revelado quando ela tinha 15 anos de idade. Durante uma discussão com o pai, a já adolescente acabou contando o que tanto lhe afligia.
“Meu pai ficou louco, ficou maluco. Foi lá falar com meu avô, ele negou. Depois ele [o avô] veio me acuar, querendo colocar a culpa em mim. Foi um auê na família”, relembra.
Contudo, nada foi feito. “Para não afetar, para não maldizer a família, foram colocados panos quentes.”
Apesar disso, outros casos surgiram quando os abusos foram expostos. O avô já havia tentado se aproveitar da própria filha, uma tia de Laura, e de outras netas. “Ficamos sabendo que ele ‘mexeu’ com algumas das minhas primas.”
Sem denúncia e sem nada efetivamente feito contra o pedófilo, Laura continuou lidando com sua dor como conseguiu. Porém, em decorrência do que passou, acabou se envolvendo em uma série de relacionamentos abusivos. Tudo porque ela não sentia ser digna de amor e respeito.
“Eu estava violada mesmo, não era merecedora. Então, qualquer coisa bastava, qualquer coisa servia.”
E confessa: “Eu sempre tive essa sensação de rejeição”.
O avô-monstro, por sua vez, morreu alguns anos depois de ter os abusos revelados. “Não consegui derramar uma lágrima quando ele faleceu. Ele era um doente, safado, sem-vergonha que abusava de crianças.”
Nova vida
Com muita terapia e ajuda daqueles que, de fato, se preocupam com ela, Laura, atualmente com 41 anos de idade, é casada com um homem que a respeita e deixou para trás o passado sofrido. “Fui abençoada por Deus, tenho um marido que me ama, que me respeita e que faz tudo por mim. Hoje eu sei o que é ser tratada como uma princesa.”
Mesmo assim, não foi fácil aceitar ser amada. “Eu achava estranho ser cuidada, ser chamada de amor”, admite.
Apesar da fase boa, Laura carrega as cicatrizes do que viveu. “Eu falo que eu sou uma sobrevivente porque não é fácil passar por isso, não é fácil contar.”
Por essa razão, faz questão de mandar um recado para os pais que confiam muito em deixar os filhos com parentes e amigos.
“Como dizem, os abusos não acontecem fora de casa, acontecem com pessoas próximas da gente. Aquelas pessoas que a gente acha que nunca vão fazer nada”, alerta.
Para contar sua história, mande um e-mail para euvivi@fatosefama.com.br
Caso você ou alguém que você conhece esteja passando ou tenha passado por algo semelhante, não hesite em denunciar. No exterior, procure a delegacia mais próxima ou o consulado brasileiro. No Brasil, use uma das opções abaixo:
Polícia Militar: Ligue 190 – caso a criança esteja correndo risco imediato
Samu: Ligue 192 – caso seja necessário o socorro urgente
Disque 100: Este número recebe denúncias de violações de direitos humanos, feitas de forma anônima
Conselho tutelar: Os conselheiros vão até a casa denunciada e verificam o que está ocorrendo (todas as cidades contam com conselhos tutelares)
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres
Qualquer delegacia de polícia
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008