ATENÇÃO: CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A TEMAS QUE ENVOLVAM VIOLÊNCIA, ESSA HISTÓRIA CONTÉM GATILHOS
*Todos os nomes foram trocados para que a identidade da vítima seja mantida em sigilo
POR DANIELA TEIXEIRA
Helena* tinha 9 anos de idade quando Antônia*, sua mãe, a levou pela primeira vez para passar a tarde com um ‘amigo’. Obediente, apesar de não querer ficar sozinha com aquele homem tão mais velho, ela aceitou quando Antônia se despediu e disse que voltaria em breve para buscá-la.
Em sua inocência de criança, Helena achou que o ‘tio’, já de cabelo grisalho, iria apenas cuidar dela enquanto a mãe saía para “resolver problemas”, como ela tinha dito. Por isso, não entendeu nada quando ele começou a tirar sua roupa.
Assustada, Helena tentou correr, mas foi impedida pelo homem em uma luta desleal. “Eu não tinha como medir forças com um velho três vezes maior e mais forte que eu”, diz.
Quando Antônia voltou para buscá-la, Helena estava em um canto da sala chorando. “Eu corri para ela. Estava desesperada. Comecei a chorar sem parar, mas ela me deu uma bronca e me mandou calar a boca.”
Helena ainda tentou explicar para a mãe o motivo do choro.
“Eu falei que o tio tinha me machucado, mas ela me deu um tapa na boca e disse que não era para eu repetir aquilo para ninguém.”
Mal sabia a menina que aquela era apenas a primeira de muitas outras vezes em que a mãe a levaria para visitar um “tio”.
“Pelo menos duas vezes por semana eu ia para a casa de algum homem. Eles tinham passe livre para fazerem o que quisessem comigo porque a minha mãe não se importava”, conta.
Visitas em troca de dinheiro
A criança, bastante observadora, também passou a perceber que os “tios” sempre davam algum dinheiro ou presente para Antônia quando ela retornava para buscá-la.
“Não tem outra forma de dizer isso. Minha mãe me vendia. Simples assim.”
Quando os abusos deixavam a menina doente, algo que ocorria frequentemente, a matriarca a medicava em casa e a mantinha longe da escola, para não correr o risco de alguém perceber algo errado.
“Eu tinha febre com muita frequência e infecções íntimas. Minha mãe tinha um verdadeiro arsenal de comprimidos e pomadas para me tratar em casa”, revela.
Porém, engana-se quem pensa que, ao menos nesses momentos, Antônia a tratava com carinho. “Ela ficava extremamente agressiva. Dizia que por causa das minhas frescuras estava deixando de ganhar e que a gente ia passar fome se eu não ficasse boa logo.”
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Os castigos físicos também eram rotineiros. “Ela sempre me bateu, mas quando eu ficava doente, ela me batia por tudo. Eram tapas na cara, surras com cabo de vassoura, ela jogava café quente em mim, cuspia…”
A vida de Helena parecia um pesadelo sem fim até que ela começou a namorar um rapaz da escola. “Na época eu já estava com 14 anos e ele com 17. Ele também vinha de um lar totalmente complicado, com pais que eram usuários de droga.”
Fuga de casa
Cansados da realidade que tinham em casa, os dois decidiram fugir para outra cidade. “Nós simplesmente arrumamos uma mochila com algumas roupas e um pouco de comida e fomos embora. Ele tinha um pouco de dinheiro de alguns trabalhos que tinha feito e foi com isso que viajamos e sobrevivemos nos primeiros dias.”
Os adolescentes, porém, não conseguiram encontrar emprego rapidamente e o dinheiro acabou. “Nós dormimos muitas vezes na rua e comemos restos de comida que a gente achava. Foi difícil, mas a gente se apoiava.”
Depois de quase dois meses, contudo, a sorte sorriu para eles. “Consegui trabalho de faxineira na casa de uma família e ele arrumou uns ‘bicos’ numa padaria. Foi com isso que conseguimos achar um lugar para morar”, recorda.
O casal, aliás, continua junto até hoje, mais de 15 anos depois. “Não foi fácil e não é. Viemos de lares desestruturados e isso afeta a nossa vida até hoje, mas a gente tenta ter paciência um com o outro e se ajudar.”
Sobre a mãe, Helena não teve mais notícias. “A última coisa que soube foi que ela tinha ido embora do lugar onde a gente vivia. Não sei se ela teve medo que eu a denunciasse… Mas nunca fui atrás dela e nem denunciei. Só segui minha vida.”
Uma vida marcada
Entretanto, as marcas do que aconteceu ainda a perseguem. “Acredita que até hoje eu tenho pesadelos com tudo o que eu passei? Pelo menos uma vez por semana eu acordo chorando e meu marido tem que me acalmar”, confessa.
Helena, porém, não acredita em tratamentos. “Todo mundo me diz para procurar um psicólogo, mas eu não acho que alguém possa me fazer esquecer ou vencer esses traumas. Eu já aprendi a viver com as minhas dores.”
Ela também admite que não pretende perdoar a mãe. “É lindo o discurso do perdão, mas o que aquela mulher me fez não merece nenhum tipo de desculpa. Eu espero que ela sofra das piores formas todos os dias da vida dela.”
E completa:
“E se ela já tiver morrido, que queime muito no inferno”.
Para contar sua história, mande um e-mail para euvivi@fatosefama.com.br
Caso você ou alguém que você conhece esteja passando ou tenha passado por algo semelhante, não hesite em denunciar. No exterior, procure a delegacia mais próxima ou o consulado brasileiro. No Brasil, use uma das opções abaixo:
Polícia Militar: Ligue 190 – caso a criança esteja correndo risco imediato
Samu: Ligue 192 – caso seja necessário o socorro urgente
Disque 100: Este número recebe denúncias de violações de direitos humanos, feitas de forma anônima
Conselho tutelar: Os conselheiros vão até a casa denunciada e verificam o que está ocorrendo (todas as cidades contam com conselhos tutelares)
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres
Qualquer delegacia de polícia
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008