ATENÇÃO: CASO VOCÊ SEJA SENSÍVEL A TEMAS QUE ENVOLVAM VIOLÊNCIA, ESSA HISTÓRIA CONTÉM GATILHOS
Todos os nomes foram trocados para que a identidade da vítima seja mantida em sigilo
POR DANIELA TEIXEIRA
Uma adolescente de 14 anos. Essa era a idade de Janete quando sofreu o maior trauma de sua vida: o abuso por parte de seu amor virtual.
“Nós nos falávamos há mais de um ano. Eu era completamente apaixonada por ele. Nunca passou pela minha cabeça que ele pudesse ser um monstro”, conta a moça, hoje com 21 anos.
Naquele dia, Janete tinha colocado a sua melhor roupa e se perfumado para se encontrar com Reinaldo. Depois de um ano e três meses de namoro pela internet, ela finalmente iria ficar cara a cara com seu ‘príncipe’.
No entanto, a menina cometeu o principal erro das adolescentes vítimas de predadores na internet: manteve tudo em sigilo e não falou nada a respeito do rapaz aos pais.
“Ele sempre me pedia para não contar nada. Dizia que meus pais poderiam proibir nosso namoro se soubessem que ele era bem mais velho que eu.”
Isso porque Reinaldo afirmava ter 24 anos, dez a mais que Janete, que não passava de uma garota inocente na época.
“Eu tinha 14 anos, mas com cabeça de 10. Eu ainda brincava de boneca escondida das minhas amigas”, revela.
LEIA TAMBÉM:
Eu vivi: Larguei tudo para viver um amor na Europa e fui abandonada na rua
Eu vivi: Fui abusada por meu tio e seus amigos quando eu tinha 3 anos de idade
Eu vivi: Minha mãe me arrumava para ser abusada pelo meu padrasto
Fotos falsas
Ao chegar ao encontro – em um parque famoso de São Paulo -, a moça teve a primeira surpresa. “Ele era bem diferente do homem das fotos e claramente tinha mais de 30 e poucos anos, não só 24”, recorda.
Inclusive, ela chegou a questionar o predador. “Ele me falou que usava as fotos de um amigo porque tinha medo que eu desistisse dele ao saber sua verdadeira idade.”
Mesmo assim, Janete permaneceu no encontro. “Eu era apaixonada por quem ele era e pela forma que me tratava, não pela aparência. Eu era muito boba e cheguei até a achar bonitinho o fato de ele ter mentido por medo de me perder.”
Depois de alguns minutos no parque veio a proposta. Reinaldo sugeriu que fossem a um restaurante juntos para terem mais privacidade.
Contudo, assim que a menina entrou no carro, o discurso mudou. “Ele falou que talvez fosse melhor irmos para um hotel. Assim poderíamos ficar mais à vontade. Eu disse que não queria e ele ficou calado.”
Reinaldo continuou dirigindo por cerca de 40 minutos e evitou manter uma conversa amistosa com a jovem. “Eu tentava puxar assunto e ele respondia só com ‘sim’, ‘não’ ou ‘daqui a pouco a gente conversa'”, relembra.
Para a surpresa de Janete, entretanto, Reinaldo pegou uma estrada de terra, totalmente deserta, sem nenhuma casa à vista, no extremo sul de São Paulo.
“Quem conhece aquela região de Parelheiros sabe que não tem nada por lá. Só terra e mato. E mesmo assim eu, burra, não desconfiei de nada. Achei que era só para podermos nos beijar e nos conhecer sem ninguém por perto.”
O abuso
Ledo engano. Assim que desligou o carro, o ‘amor virtual’ da adolescente partiu para o ataque.
“Ele começou a tentar arrancar a minha roupa, eu disse para ele parar e ele começou a me bater”, conta.
Já tonta com as pancadas que recebeu na cabeça, Janete decidiu parar de lutar. “Eu estava sem forças, enxergando tudo embaçado, parecia que eu ia desmaiar. Mesmo assim tentei me manter acordada porque achei que se eu desmaiasse ele ia me matar”, detalha.
Reinaldo, então, concluiu o ato de violência depois de obrigá-la a se deitar no banco de trás do veículo. “Quando ele terminou, ainda cuspiu no meu rosto e me chamou de ‘garota retardada’.”
No entanto, o sofrimento de Janete não parou por aí. “Ele me obrigou a descer do carro, me deu outra pancada na cabeça e eu caí, quase perdendo a consciência novamente. Enquanto eu tentava me levantar do chão ele foi embora.”
Sem telefone e documentos – que ficaram no carro do criminoso -, a menina não conseguiu segurar o choro. Mas evitando se dar por vencida, ela começou a andar no mesmo sentido que o carro havia tomado.
Pedido de ajuda
Minutos depois, encontrou uma chácara, para onde correu para pedir ajuda. “Eu fiquei com muito medo porque poderia acontecer algo pior comigo ali. Era um lugar assustador. Só que eu não tinha outra opção.”
Para a sua sorte, porém, ela foi atendida por um casal de idosos. “Eles me colocaram dentro da casa deles, me deram água e disseram para eu me acalmar. A neta deles também estava lá e me ajudou muito. Ela ligou para a polícia e também para a minha família.”
Para os pais foi um verdadeiro choque encontrar a filha tão longe de casa e toda machucada. “Minha mãe quase passou mal quando me viu. E quando eu contei o que tinha acontecido, meu pai ficou maluco. Parecia um bicho enjaulado. Queria encontrar o cara e matá-lo.”
Só que para a tristeza da família, nem com a ajuda da polícia a identidade do homem foi descoberta.
“Ele usava um perfil falso, com fotos falsas e ainda por cima nunca tinha me dado seu número de telefone. A gente só se falava através do aplicativo de relacionamento, que ele deletou logo depois do que fez comigo, porque tentei acessar nossas conversas e tudo tinha sumido.”
Reinaldo também afirmava ser avesso às redes sociais. “Ele dizia que odiava Facebook, Instagram e que não tinha nem WhatsApp para não ter que manter contato com as pessoas o tempo todo.”
Família abalada
A falta de punição para o abusador, aliás, afetou muito o pai de Janete: “Ele começou a ir várias vezes por semana ao local onde tudo tinha acontecido para ver se o cara aparecia por lá com uma nova vítima. Isso se tornou uma obsessão para ele. Ele quase perdeu o emprego de tanto que faltava ou saía mais cedo por causa disso”.
A relação com os pais também ficou estremecida. “Eles ficaram muito decepcionados comigo por todas as mentiras que contei para encobrir o que eu achava que era o amor da minha vida. Eles ficaram anos sem confiar em mim. Há pouco tempo que as coisas melhoraram.”
Já sobre seu estado psicológico depois de tudo o que enfrentou, a jovem admite: “No começo eu fiquei muito depressiva, não tinha mais ânimo para nada. Quase perdi o ano escolar. Mas a minha mãe, com muita paciência, me convenceu a aceitar ajuda e tenho uma psicóloga que me atende desde então”.
Mesmo assim, Janete confessa não estar totalmente recuperada: “Acredito que seja um processo. Eu ainda estou me reencontrando”.
Solteira, ela nunca mais entrou em aplicativos de namoro. “Se eu tiver que conhecer alguém, que seja no dia a dia. Amor virtual nunca mais.”
Por fim, a moça mandou um recado às adolescentes que vivem em busca de amor no mundo on-line.
“Não apresse as coisas, viva cada fase com calma. Nenhuma menina de 13, 14 anos deveria ficar buscando namorado. Muito menos na internet. É uma idade de estudar e, por que não, brincar. Não se arrisque por besteira. No momento certo, na idade certa, vai aparecer alguém para você se relacionar.”
Para contar sua história, mande um e-mail para euvivi@fatosefama.com.br
Caso você ou alguém que você conhece esteja passando ou tenha passado por algo semelhante, não hesite em denunciar. No exterior, procure a delegacia mais próxima ou o consulado brasileiro. No Brasil, use uma das opções abaixo:
Polícia Militar: Ligue 190 – caso a criança esteja correndo risco imediato
Samu: Ligue 192 – caso seja necessário o socorro urgente
Disque 100: Este número recebe denúncias de violações de direitos humanos, feitas de forma anônima
Conselho tutelar: Os conselheiros vão até a casa denunciada e verificam o que está ocorrendo (todas as cidades contam com conselhos tutelares)
Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres
Qualquer delegacia de polícia
WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008